quarta-feira, maio 24, 2006

Vanitas vanitatum, omnia vanitas.

Ela olhava a cova rasa.

Nunca tinha visto nenhum lugar tão absurdamente triste como aquele: o buraco raso mal aberto, a terra vermelha lameada, a garoa, o céu cinza e o frio... Como a morte podia ser tão feia?

Com a garoa tudo estava tão confuso que não tinha certeza se pisava em terras ou tumulos. As pessoas amontoavam-se em montes de lama, a cova era menor do que o necessário, as flores coloridas e mortas das coroas grandeloquentes e vulgares eram desoladoras e davam um carater ainda mais cruel e viceral àquela situação. Ela olhava a tudo buscando alguma coerencia no que estava acontecendo, buscando alguma dignidade naquele lugar, alguma coisa que merecesse a presença de qualquer um, vivo ou morto.

Viu a prima: olhos castanhos marejados, a solidão dolorida num ponto lamacento mais alto à cabeceira da cova recem acertada ao tamanho do caixão. "_Cinco ou sete palmos... que diferença fazia diante da profundidade daquela tristeza e da perpesctiva de que um dia também irei passar por isso...". Continuava olhando a prima e percebia cada vez mais claramente a poesia daquela presença: alheia a tudo, como se naquele momento só existisse ela e o pai, num ultimo adeus sem palavras, o silencio mais audivel e absoluto que ela pode sentir até hoje...

O que é a dignidade de um lugar em comparação a dignidade do sofrimento de alguém como ela? O que é o desespero e a saudade diante da serenidade daquele tipo de amor?

"_Essa é uma imagem da qual eu nunca vou esquecer".

4 comentários:

Anônimo disse...

Olá Luisa!
Forte o seu texto, imagético, sensorial... Gostei!
Beijo

i disse...

Puxa Luisa, que forte a imagem deste texto! Espero que não seja baseada em fatos reais.

Obrigado pelo site do artista, estou vendo agora e o cara realmente é bem talentoso.

QUanto ao layout, não creio que seja coincidência. Acho que é o refinamento, mesmo...

Beijos

mitro disse...

A morte revela a nossa impotência; resta então a esperança!

filomena disse...

Que triste!

Um grande e saudoso beijo para ti.

"omini festinatio ex parte diabli est"