terça-feira, março 15, 2005

A gravidez

_Sonho estranho o dele.

_É, sabe lá o que vc está fazendo "nascer". Bom, até quinta.

_Até quinta.

Ela seguiu andando e pensando: mesmo agora que tudo está morno e sua atenção está voltada em cuidar e nutrir o que tem, essa chamada inconsciente a perturbou.
Não com a mesma intensidade de antes, afinal, antes ela investia no que acreditou ser a única experiência que realmente valeria. E talvez fosse a sua última tentativa de sentir-se como todo mundo, com suas paixões e tesões. Mas as coisas tomaram outro rumo, um rumo que ela ainda não tentara entender.

O carinho que ela achava que era mais seguro dos sentimentos, percebe ser o mais dificil deles. E que já vai ter muito trabalho tentando entendê-lo e aplicá-lo em sua vida. Está feliz com isso. Está feliz com os resultados até agora. "Ele se condensa no ar, e, vapor azul e verde, entra pela minha boca. Isso de forma alguma é ruim. Não é como Orfeu e Eurídice...". Aos poucos ela vai encontrando o caminho.

Mas há sempre a outra possibilidade. "sabe lá o que vc está fazendo nascer nele"... Ela tem um pouco de receio de que essa tranquilidade passe. Porque no fundo, bem no fundo, duas mulheres ainda existem, e uma delas continua perigosa. Ela ainda não sabe se essa está sendo transformada ou subjulgada.

De qualquer forma, enquanto a tranquilidade continua, ela chega em casa, se sente em paz, dorme. E sonha com os problemas do trabalho.

quarta-feira, março 02, 2005

A Borboleta

Sono, carência e frio - três coisas doces de se sentir. Ela estava sozinha, podia fazer o que quisesse mas preferiu apenas curtir a solidão. Organizou coisas, tocou um pouco... Mas os acordes sairam mecânicos: transformar sensibilidade em música naquele momento a deixou ansiosa... Tentou escrever um pouco, mas não sentia o pincel.

Observava a noite pela persiana e sentia um vazio grande. Mas dessa vez, diferente do que sempre foi, não era um vazio autocentrado que existia por si, era mais a percepção do vazio em função da tremenda necessidade de "preencher". Tremenda. Mas não há ninguém. Pelo menos não agora. Será que é dessa "falta" que as pessoas falam? Não sabia.

De qualquer forma, já passava da uma da manhã quando decidiu que iria dormir. Checou o fogão, as janelas, a porta... "Cáspita, eu tenho certeza que acabei de catar os envelopes do chão!". Olhando melhor, com a luz acesa no corredor do prédio, percebe que esse envelope fora colocado nauquele momento. "Merda, eu odeio mala-direta".

"Menina,
Teu corpo parece grande, mas eu vejo o quanto é delicado, sinuoso, quase inseguro. Teu espirito parece forte, mas eu vejo que tem brechas, muitas brechas escondidas pro mundo. Mas não pra mim.
Meia-noite de uma bela noite. A noite perfeita. Entro na sua casa às 2:15am e na sua vida logo depois.
Eu sei que eu posso. A porta vai estar aberta."

Ela sorriu. Surpresa não seria bem o termo, no fundo ela sabe que essa é a ordem que as coisas devem seguir. Por mais insólita que pareça, a noite foi feita para os sonhos. Zhuang Zi e sua borboleta vieram a sua mente.

Sono e estrelas: por via das dúvidas, ela voltou à sala, destrancou a porta, apagou as luzes e dessa maneira, concretizou a realidade que precisava. Ou o sonho. Não importa.
"omini festinatio ex parte diabli est"